Dissertações e artigos

A dissertação de mestrado é uma produção teórica de complexidade intermediária. Diferentemente das monografias de graduação, trata-se de um trabalho cujos resultados são destinados à publicação, por se considerar que são contribuições autônomas para o conhecimento do campo.

Porém, diferentemente das teses de doutorado, não são trabalhos necessariamente originais, no sentido de que podem se limitar a repetir a aplicação de certas metodologias anteriormente definidas. Normalmente, são trabalhos bastante focados, que tratam de aspectos pontuais de um certo tema, mas que não agregam uma complexidade teórico-metodológica.

Hoje em dia, a dissertação é uma forma em crise, pois há um deslocamento da publicação dos livros (que são o modelo das dissertações) para o formato de artigo, que são a forma usual de exposição de pesquisas. Essa é uma adaptação tanto aos modos de avaliação da pós-graduação (que privilegiam os artigos) quanto ao fato de que é muito difícil garantir a qualidade dos livros em um mercado editorial no qual tornou-se muito barato editar obras formalmente classificadas como livros (ou seja, dotadas de ISBN).

No Brasil, o custo de gerar um ISBN é de cerca de US$ 5,00, o que é um valor irrelevante quando comparado aos custos para escrever, editar e publicar um livro. O modelo de negócio de muitas editoras, há décadas, envolve publicar livros sem grande relevância acadêmica, remunerando-se mais pelas contribuições dos próprios autores (interessados na visibilidade e no prestígio) do que pelos lucros obtidos com a venda, que são cada vez mais restritos.

Nesse contexto, a necessidade de filtros capazes de organizar a produção acadêmica em termos de qualidade tem sido feita por meio das revistas especializadas, que publicam em sistema de peer review. Esse sistema também está em crise, pois a sua viabilidade depende do trabalho não remunerado dos revisores (que trabalham apenas em troca de prestígio e da relevância dos pareceres para seus currículos) e várias revistas de relevo são acessíveis apenas a bibliotecas que pagam muito caro por elas.

Tanto é assim que foram desenvolvidos amplos sistemas de circulação dos artigos em sites piratas, que hoje em dia são a única garantia de uma circulação mais ampla de muitos dos trabalhos mais relevantes, especialmente no âmbito internacional (já que muitas revistas brasileiras são abertas, até porque são custeadas com verbas públicas).

Apesar de ser um sistema em crise, publicação de artigos revisados por pares é ainda o melhor indicador do prestígio acadêmico de um texto e de seus autores. Por esse motivo, é de interesse tanto dos pesquisadores quanto dos programas em que eles estão inseridos que a sua produção acadêmica circule por meio de artigos, e não por meio de livros.

Inobstante, os cursos de mestrado acadêmico em direito tipicamente exigem a defesa de dissertações, motivo pelo qual esse formato também tem sido adotado pelos mestrados profissionais, que ainda não contam com parâmetros próprios muito definidos de avaliação. O abandono do formato dissertação é um risco que a maioria dos programas não está disposto a correr, pois os prejuízos podem ser muito grandes, em termos da avaliação do programa.

Parece razoavelmente estabelecido que uma pós-graduação lato sensu pode ter como trabalho final um artigo, ou mesmo outras formas de produção. Já dos mestrados se espera uma produção que siga o método científico, o que aponta para pesquisas cujo formato tradicional de apresentação é a monografia (que no caso do mestrado se chama convencionalmente de dissertação).

Ocorre que as dimensões típicas do trabalho monográfico são bem maiores que as dos artigos de periódicos. As dissertações são organizadas em capítulos e, grosso modo, cada capítulo deveria ter a complexidade de um artigo.

Na academia, é bem comum que os estudantes escrevam dissertações, mas que publiquem artigos decorrentes do desmembramento dessas pesquisas.  Mas o fato é que os capítulos raramente têm a densidade necessária para um artigo independente, ainda mais considerando que as dissertações costumam ter um problema semelhante ao dos artigos.

Em boa parte das dissertações, há uma série de capítulos que têm uma função preparatória e que se mostram como resultado de estudo e não de pesquisa. São resultado da leitura de textos relevantes, mas são leituras que não têm um método definido nem buscam uma resposta clara a um problema de pesquisa. O estudante relata o que aprendeu da história do instituto, faz uma revisão da bibliografia, mas não faz uma análise rigorosa desses textos, visto que seu objetivo não é mapeá-los, mas apenas contextualizar a si mesmo e aos leitores.

Esses textos de contextualização são pouco publicáveis porque normalmente refletem o esforço do estudante de compreender os temas estudados, mas não são originais, visto que são repetidos em todos os trabalhos semelhantes. Análises sobre a distinção entre regras e princípios. Sobre a história do garantismo e suas características. Sobre as diferenças do realismo escandinavo e do realismo americano. Sobre vários dos pontos teóricos que o próprio estudante não conhecia, mas que a banca sim.

Esses textos sem originalidade, mas que exigem grande esforço dos mestrandos e doutorandos, acabam entrando nas dissertações e nas teses como forma de demonstração de esforço. Não são exposições de resultado, não são decorrência de aplicação de uma metodologia clara, não são propriamente pesquisa. Estão mais para um relato de estudos, ainda que de estudos críticos.

Creio que eles são os principais responsáveis pela falta de importância das dissertações e das teses, visto que a manutenção dessas estruturas garante que as partes relevantes e originais da pesquisa estejam entremeadas por uma série de trechos que têm pouca relevância acadêmica. São partes de uma dissertação que não são lidas nem mesmo pelas pessoas mais interessadas no tema, que pulam tudo isso para chegar aos tópicos em que se supõe que estão localizados os elementos mais originais da pesquisa.

Ocorre que não faz sentido algum escrever textos para não serem lidos. Esses textos podem ser escritos como exercício s de estudo, mas não devem ser apresentados para as bancas e, menos ainda, publicados.

Essa situação desequilibrada faz com que a saída mais típica seja que os trabalhos de pós-graduação adotem uma forma de dissertação, entendida como provisória: as bancas analisam as dissertações, mas com a expectativa de que o trabalho seja convertido em artigos.

Porém, essa conversão é muitas vezes deixada de lado, até porque há uma grande dificuldade emocional de que os recém-mestres e recém-doutores tenham forças para voltar aos seus textos e retrabalhá-los. Terminamos com muitos trabalhos excelentes que não viram nem livros nem artigos, o que representa um grande desperdício.

Frente a essa dificuldade, parece mais razoável criar modelos nos quais os estudantes possam apresentar dissertações em que estejam presentes os artigos que serão submetidos. Essa submissão prévia dos artigos à banca significa um adiantamento do peer review dos perídicos, que contribui decisivamente para que os trabalhos venham a ser publicados.

Tipos de articulação de artigos

No caso do mestrado, são várias as possibilidades de articulação e elas precisam ser bem conversadas com os orientadores.

Uma das possibilidades mais plásticas é adotar um sistema IDC (Introdução-Desenvolvimento-Conclusão), em que o desenvolvimento seja composto por dois artigos articulados. Assim, cada capítulo pode ser um artigo completo, apresentado por uma introdução geral (que mostre como os problemas se articulam) e uma conclusão/discussão (que mostre como os resultados se articulam).

Nos doutorados, uma solução mais prática me parece a de escrever dois artigos parciais e  entregar uma tese composta por um artigo denso, que parta dos resultados dos dois primeiros artigos, que podem ser apresentados como Anexos (até porque, dado o tempo do doutorado, é de se esperar que eles já tenham sido publicados). Porém, o tempo reduzido dos mestrados dificulta que haja, de fato, artigos publicados com produção realizada durante o curso.

A articulação específica dos artigos depende muito do tipo de trabalho, mas para pesquisas empíricas uma das formas de dividir é inspirar-se no modelo IMRD, no sentido de que podem ser tornados autônomos artigos sobre a Metodologia, sobre a descrição dos Resultados e sobre a Análise do impacto dos resultados no conhecimento disponível.

Quando o trabalho tem uma metodologia especialmente complexa, é possível pensar em autonomizar um artigo voltado a discutir as adaptações metodológicas necessárias para investigar um certo campo. Existem revistas mais ligadas a essas questões, como a REED, que tem espaço para as discussões teórico-metodológicas.

Esses artigos podem até ser artigos de pesquisa (que investiguem e mapeiem os métodos usados em outros trabalhos), mas normalmente eles serão ensaios teóricos, voltados a discutir as potencialidades dos métodos, a propor categorias úteis. Assim, você pode ter uma dissertação composta por um artigo Teórico-Metodológico e um artigo focado nos Resultados e na discussão.

Mesmo que a sua pesquisa não tiver uma dimensão metodológica mais complexa, ela pode ter uma dimensão teórica interessante, o que pode gerar um artigo que discuta as opções teóricas existentes e contribua para a elaboração de categorias mais adequadas a um certo campo, especialmente sobre formas adequadas de classificar os dados de modo produtivo.

Caso os aspectos teóricos e metodológicos sejam pouco complexos, eles podem ser incorporados apenas como parte da introdução geral e também da introdução de cada um dos artigos (que servirão como capítulos).

Esse é o caso de você optar por uma estrutura focada em um artigo voltado para a descrição dos resultados (oferecendo um modelo descritivo para os objetos analisados), acoplada a um outro artigo que deve conter a parte mais analítica. Essa é uma forma interessante de divisão, especialmente se você apresentar desde logo o primeiro artigo para publicação, de tal forma que o seu artigo analítico depois possa citar o artigo descritivo, articulando-se com ele.

Há várias outras formas possíveis de articulação: um artigo mais histórico articulado com uma descrição atual, dois artigos aplicando a mesma metodologia a classes processuais diferentes (e uma conclusão que compara os resultados), artigos teóricos que tratam de diferentes dificuldades de um mesmo campo, artigos voltados a dois objetivos específicos do mesmo problema de pesquisa (mapear certas decisões e analisar o seu conteúdo, por exemplo). As possibilidades são muito amplas.

A grande dificuldade, de fato, é se você não conseguir identificar ao menos dois polos que possam gerar artigos autônomos, mas relacionados. Porém, se você tiver essa dificuldade, creio que o mais provável é que o seu trabalho não tenha a complexidade que se espera para um mestrado.

Para usar as categorias do texto sobre a estrutura dos textos acadêmicos, o mestrado é um texto de complexidade 2, no sentido de que ele deve articular bem ao menos duas dimensões diferentes do problema. Ele não precisa articular mais do que isso e, especialmente, ele não precisa ter a dimensão teórica mais desenvolvida que se espera de um doutorado. Mas ele também não pode ser uma descrição simples de um campo determinado, que não permita esse tipo de articulação em dois polos articulados.

Mestrado profissional

Nos mestrados profissionais, uma das possibilidades de articulação mais interessantes (e uma que consideramos especialmente desejável) é articular um artigo de pesquisa com um texto de viés mais prático, que pode ser um projeto de intervenção (construído a partir dos achados do artigo teórico) ou ao menos um ensaio que trate dos impactos das descobertas do artigo teórico na prática jurídica.

Essa estrutura é especialmente desejável em mestrados que têm uma vinculação institucional, na qual é esperado que exista uma vinculação direta entre a pesquisa teórica e as atividades da organização.

Por se tratar de um mestrado, é necessário (até pela legislação aplicada a tais cursos) que o trabalho de conclusão tenha um viés de pesquisa, que envolva a aplicação do método científico. Porém, os mestrados profissionais têm por missão formar profissionais mais capacitados, e não apenas pesquisadores.

Esse equilíbrio parece mais viável quando se pensa no movimento da gestão baseada em evidências. Quando se espera da gestão pública e privada que os gestores tomem decisões baseadas nas pesquisas mais recentes e mais sólidas, cria-se uma ligação direta entre pesquisa e prática.

Evidentemente, não se tratam de pesquisas demasiadamente abstratas, pois elas devem ser pensadas desde o início como justificadas pelas potencialidades efetivas de seus impactos na prática. Porém, elas devem ser pensadas como pesquisas metodologicamente sólidas, pois o objetivo é justamente deixar a gestão baseada em experiência (nas intuições de atores dotados de grande experiência na área), para um paradigma diferente, no qual as decisões devem ser tomadas com base em evidências coletadas por atividades de pesquisa.

Portanto, nesse caso é muito desejável que seja estabelecido um projeto de pesquisa vinculado a problemas com vinculações práticas evidentes e que o segundo artigo se concentre nas formas como essas conclusões podem impactar não apenas o conhecimento, mas também as práticas institucionais.